Meus amigos fizeram muitas piadas ao saber que eu iria passar alguns dias em Atibaia. Todas as gozações, é claro, envolviam o nome do ex-presidente Lula e do sítio que ele supostamente possuiria na cidade paulista. Mas hoje eu não quero falar do Lula; quero falar da importância que Atibaia tem na minha vida.

Há quase duas décadas costumo passar em Atibaia as festas de Natal e Ano Novo. Minha querida Tia Lia possui uma pequena casa ao sopé do monte conhecido como Pedra Grande. Devo esclarecer que Lia, competentíssima advogada e professora, adquiriu a modesta propriedade com os frutos de uma vida inteira de estudo, trabalho e sacrifício. Enfim, é nesse recanto, um pouquinho mais perto do Céu, que celebramos a chegada de Jesus e do novo tempo. Não temos pedalinhos nem antena especial para o celular.

Continua a mesma, a Pedra Grande. Nós é que mudamos. Algumas pessoas amadas que eu encontrava aqui deixaram Atibaia para sempre. À sombra do monte — este que, ao contrário da montanha de Itabira, eternizada pelo poeta, não foi corroído pelo passar dos anos e dos homens — restam memórias de alegria, vozes queridas e novos personagens, as crianças. Meu cabelo vai ficando mais ralo e branco, enquanto a grama permanece verde e o céu rutila quase tão azul quanto o de Londrina.

À noite, antes de dormir, peço a Nossa Senhora para me dar bons sonhos. Pode parecer estranho, mas em Atibaia eu quero sonhar com Atibaia. Não exatamente a Atibaia de agora, que segue linda, mas a Atibaia de sempre, a Atibaia eterna, a Atibaia que não passa.

Minha esperança é dormir, acordar e encontrar meu pai, lendo e fumando na varanda. Às vezes quase consigo ouvir a sua tosse de fumante. Aproximo-me, pergunto a ele que livro está lendo, e ele me diz com um sorriso acolhedor e orgulhoso: “Nelson Rodrigues”. As crônicas, não as peças.

Vou para dentro da casa e sinto um perfume suave, que só pode ter origem na alma profunda das flores. É minha mãe, esperando-me na mesa do café da manhã. Tomamos o café em silêncio, o silêncio leve de quem se sabe íntimo, e então ela me pergunta como anda o trabalho. Digo que vai bem, nunca estive tão feliz com o que faço, converso todos os dias com os leitores da Folha. Comento que estou escrevendo um livro chamado “Coração de Mãe”. É pra você, Mãe.

Entro no coração da casa. Vó Maria está na cadeira de balanço que pertenceu a seu pai, o Pai Costa. Reza baixinho. Sei que ora por nós, em todos os tempos. Por nossas alegrias, dons, medos, virtudes, vícios, dificuldades, loucuras, obras, palavras, pensamentos, atos, omissões, destinos, sonhos. Há um amor incondicional no coração de Maria. Sua prece concebe preces, assim como uma figueira concebe figos, assim como uma roseira concebe rosas.

O nome Atibaia vem do tupi e quer dizer “águas tranquilas” ou “águas boas de beber”. Muitos podem dizer que sou um mero turista na pequena estância. Mas este peregrino que cruzou o Tibagi pede hoje licença para ser mais do que isso. Deixa-me ser teu filho, Atibaia. O turista é outro.

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por Paulo Briguet
Escritor e jornalista. Mora desde 1989 em Londrina. Trabalhou em diversos jornais, revistas e assessorias. Assina a coluna diária Avenida Paraná, na Folha de Londrina. Autor dos livros de crônicas “Diário de Moby Dick” (em parceria com o pai, Paulo Lourenço), “Repórter das Coisas” e “Aos Meus Sete Leitores”. Casado com a jornalista Rosângela Vale, pai do Pedro, paulistano de certidão, pé-vermelho de coração. Conservador em política, liberal em economia, católico em religião. Em suma, um cronista em busca dos seus sete leitores.
Fonte: http://www.folhadelondrina.com.br/blogs/paulo-briguet/o-turista-acidental-de-atibaia-966387.html
27/12/2016